domingo, 20 de dezembro de 2009

Ele

Eu seguro um cigarro na ponta dos dedos, do outro lado da rua, ele segura sua lata de cerveja quente. O seu olhar atravessa a fumaça que eu sopro, e me diz "você tem medo". Não existe mais a música na boate, a gargalhada da conversa ao lado, a buzina do trânsito, é tudo um silêncio que me constrange. fujo meus olhos para o movimento da rua, dou um trago e volto a observá-lo, lá está ele, sem se mover, ainda me fitando, me provocando, me debochando, apenas com aquele olhar. E nessa hora, o cigarro não adianta para nada, minha figura se torna patética, o homem de posturas e cordialidades se transformou numa criança que perde a mãe na multidão, talvez esse realmente seja eu. Não nos vemos mais, um ônibus para em frente a mim e logo sai. Procuro ele novamente - talvez eu seja masoquista - mas não o vejo mais, deve ter ido embora, graças a Deus.

Vou até a lixeira jogar meu cigarro fora, ele reaparece na rua desviando dos carros, andando até mim. Parece que vejo tudo em slowmotion, não consigo pensar em nada, cada pulsar do meu coração é um soco no peito, minhas pernas congelam, minha mão sua. Ele se apresenta e pergunta como me chamo, lhe respondo recebendo um elogio em troca. Começa um questionário sem sentido, talvez tenha medo que fiquemos sem assunto. Me convida para sentar num bar, aceito, ele deixou de ser tão ameaçador.

Resumimos nossas vidas em duas horas, lembramos antigos relacionamentos, apontamos nossos defeitos, revelamos intimidades. Agora ele sabe de coisas a meu respeito que nenhum amigo meu imaginaria, e não me arrependo. Sua fala me encanta, até quando fala sacanagem, seus gestos me chamam, embora esteja segurando um copo. Me inclino para frente, exibindo não só meu corpo, mas também minha vontade, que foi saciada. Recebo um outro convite, um mais ousado. Ele se levanta, paga a conta e entra no banheiro. Me levanto para fumar, me sinto tonto, nem sei mais quantos copos de tomei. Não penso mais, as reações das ações são tão rápidas que não consigo mais acompanhar nada, as coisas simplesmente acontecem.

Quando volto a pensar, estou despido na cama, enrolado num cobertor branco, vestido de marcas de unha e mão espalmada. Ele, no chuveiro, se lavando de mim. Não existe mais a música do rádio, o gemido de prazer, o estalo dos tapas, é tudo um silêncio que me atormenta. Só me resta esperar. Esperá-lo deitar ao meu lado ou esperá-lo ir embora sem meu telefone. Esperá-lo se revelar alguém carente ou alguém sedento.

5 comentários:

  1. Não precisa esperar, ele foi tomar banho sozinho... Como você disse, ele foi lavra-se de você. Não precisa esperar.

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  2. Ual! Texto diferente, que prende e envolve. Gostei.
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    http://duventublog.blogspot.com/

    Levi Ventura

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  3. Historia de pegação disfarçada em intelecto.

    tudo pobre. sem moral. pegação barata de rua. de cigarros e hotel barato.

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  4. O que a de provocante ou sensual em feder a tabaco e tragar um cigarro? heehehehehehehehehehehe

    Mas muito boa a Alma do Texto!

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