A chuva tinha me molhado, e o rangir do atrito dos meus pés com a sandália me irritava ao ponto de querer andar descalço para comprar aquele bendito pão do lanche da tarde. Enquanto atravessava a rua, um garoto de casaco entrou apressadamente no mercado.
Entrei, também, e fui direto à sessão da padaria enquanto o menino observava e vagava entre as prateleiras de limpeza. Os pães estavam bem quentes, no ponto que minha mãe gosta, pedi os seis menos torrados. O atendente selecionava os pães quando olhei pra trás e vi o garoto no caixa sem nada nas mãos, estranhei aquilo, quando começaria a divagar sobre, fui interrompido pelo atendente que me deu o saco de pães dizendo o preço. Cheguei ao caixa e o garoto saiu do mercado tendo em mãos uma nota de compra, fora isso, nada mais. Fiz minha compra, sem pegar o troco.
Na rua, o menino já estava no outro quarteirão, um espírito sherlockiano invadiu minhas vontades e segui o garoto não me importando se o pão esfriaria. Ele andava com tanta rapidez que corri por uns instantes sem que ninguém percebesse para alcançá-lo. Ele olhava pra todos os lados com passos rápidos, ele com certeza estava fugindo de alguém, talvez um amigo tagarela, que se lhe encontrasse começaria a disputar quem tirou a maior nota na prova de ciências, ou uma garota apaixonada, que depois de tantas cartas beijadas com o baton vermelho da mãe se tornou um estorvo para o pobre menino, ou um agiota juvenil, que pela milésima vez cobraria a devolução daquele jogo de video game que emprestou mês passado.
Segui-o por três quadras até chegarmos numa praça quase no fim do bairro. Jogou no lixo a nota fiscal e sentou atrás de um coreto despedaçado que subi para observá-lo de cima sem que ele me visse. Da manga do casaco que lhe cobria a mão ele tirou um maço de cigarros fechado. Abriu, pôs um cigarro na boca, pegou seu isqueiro prateado, tirou o cigarro da boca, olhou para os lados confirmando a total ausência de alguma alma viva naquela praça. Suspirou e tranquilamente acendeu sua droga enquanto passava uma senhora de cabelos brancos que só Deus sabe de onde surgiu. Ele fumava, fazia caretas de prazer sem se importar com ela que atravessava a praça contemplando as árvores e as ruinas dos coretos, que naquele tempo rendeu muita dor de cabeça à associação dos moradores. A senhora ignorava aquele fumante tão novo, tão vivo, tão inocente. Tão envenenado por essa fumaça que agora me faz tossir incontrolável e inexplicávelmente: a fumaça se dissipa antes de chegar na altura de minha cintura. Mas ela se torna mais densa, ela alcança meu rosto, entra pela minha boca, invade meu pulmão.
Sinto meus dedos sendo queimados e logo jogo o cigarro no chão, ação involuntária do corpo. Um homem gordo, no coreto, rodeado de amigos e cerveja, ri de mim disfarçadamente, devia estar reparando em mim a algum tempo. Quero ir embora, mas sinto que esqueci alguma coisa por aqui, procuro até ver o reflexo reluzente do sol na prata do isqueiro. Pronto! Vou andando tão atordoado que esbarro em uma senhora de rosto familiar, mas que não consigo lembrar de onde a conheço, ou não estou com paciência pra tentar.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
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Às vezes é necessário que o bairro seja grande, pessoas se chocam com menos frequência.
ResponderExcluirAliás, chocar faz be.
Choque !
Ahh, mto bom o texto. Aliás, o blog todoo!
ResponderExcluirbj